09.ABR.14 | Marcelo Moraes fala sobre sua trajetória para a Seção Match Frame. Ele ganhou diversos prêmios de montagem como pelos filmes “À Margem da Imagem”, “Meu nome não é Johnny” e “Salve Geral”, entre outros.
“Essa foto foi tirada em 1990, é uma moviola Intercine de 6 pratos. Isso era numa produtora chamada Jodaf-Yes Rio (atual Yes), onde comecei como assistente e virei montador. Eu também mexia numa Prevost que ficava na Jodaf São Paulo. As duas eram italianas, e essa segunda era um luxo porque tinha 2 telas.”
Fale sobre o projeto em que você está trabalhando atualmente.
Terminei o longa-metragem “Os Homens São de Marte” semana passada, e tenho mais uma semana de trabalho na “Esperança é a Última que Morre”, do Calvito Leal, que deve acontecer em breve. Li o roteiro de Irmã Dulce e estou trocando algumas ideias com o Vicente Amorim, montagem que começa no dia 21 de abril.
Paralelo a esses projetos de cinema, estou editando o programa do GNT “Surtadas na Yoga” e também acabei de editar um episódio de “As Canalhas”.
Feliz que nem “pinto no lixo”.
Qual foi o trabalho que significou o maior desafio em sua carreira e explique o porquê.
Eu trabalhei com publicidade e clipe até 1999, e só aí que finalmente consegui um longa para montar. Primeiro foi “A Era dos Campeões”, do Marcos Bernstein e Cesario Mello Franco, que tentava explicar como um país como o Brasil conseguiu ganhar 8 títulos mundiais de F1 em 20 anos. Logo em seguida eu montei “À Margem da Imagem”, de Evaldo Mocarzel, que discutia o direito que cada um tem sobre sua própria imagem a partir dos moradores de rua de São Paulo. Esse filme ganhou muitos prêmios nacionais e internacionais, incluindo 4 de montagem. Depois veio a primeira ficção que foi “O Outro Lado da Rua”, do Marcos Bernstein, com a Fernanda Montenegro. Eu ralei muito para destrinchar esses filmes, e como são os primeiros, foram sem dúvida os maiores desafios.
Em 2006, estava montando “Zuzu Angel”, do Sérgio Rezende, de quem sou muito fã desde que vi “O Homem da Capa Preta”, na minha opinião um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Então a Mariza Leão que estava produzindo “Meu Nome Não é Johnny” na mesma sala, me chamou para montá-lo. Esse foi um grande desafio no início, porque eu e o Mauro Lima não nos conhecíamos. Mas logo nos entendemos e foi tudo maravilhoso.
As recentes mudanças tecnológicas tiveram algum impacto sobre a sua forma de pensar a montagem e de trabalhar?
Quais mudanças tecnológicas? Estamos vivendo um momento bizarro, trabalhando com um software de 2007, o FinalCut 7. É um paradoxo enorme considerando que estamos vivendo a Revolução Digital, turbilhão de mudanças e descobertas que se equipara à Revolução Industrial. O pior é que eu desconfio que o FinalCut 7 nunca foi tão estável, o que me leva a acreditar que o que atrapalhava eram as constantes atualizações do programa. O que torna tudo mais bizarro ainda.
Indique um filme cuja edição você admire e explique o porquê.
Posso indicar três? “After Hours” (Depois de horas), do Scorcese, é um filme que se passa numa noite, com montagem virtuosa e fez com que eu me apaixonasse definitivamente pela montagem. Vi o filme em 1985.
Tem um filme do Soderberg que se chama “The Limey”, “O Estranho” em português, que ele esbanjou invenção e categoria na montagem como um todo e especificamente nos diálogos. Acho que a parte mais sofisticada no ofício de montador são os diálogos, justamente porque parece fácil. Você tem que estar muito atento à intenção da cena, dos personagens e da narrativa, para saber o que priorizar naquele momento. Evidentemente o dono da palavra não é sempre o dono da imagem, essa pode estar no ouvinte ou até num cinzeiro que faça parte do cenário.
E por fim, o mais antigo, um clássico absoluto no nosso quesito, “O Homem Com a Camera”, do Vertov. Acho que assisti a esse filme umas 50 vezes, pelo menos. É um documentário-tese sobre o homem escolhido por Lenin para tocar o cinema naquela Rússia dos primeiros anos pós-revolução. Vale dizer que Lenin decretou que o cinema era a mais importante de todas as artes e portanto não faltavam recursos. Vertov faz um registro do cotidiano de uma cidade soviética com poesia coreográfica e conceituação filosófica, fazendo analogia entre o olho humano e a lente da câmera. Só música e imagem…sensacional, montado pela mulher dele, que aparece trabalhando na moviola.
Fale um pouco sobre o início de sua carreira. O que te levou a ser montador?
Eu comecei a trabalhar como assistente de edição de programa de TV, depois quando tentei migrar para o cinema houve o fim da Embrafilme, a maior crise do cinema brasileiro, promovida pelo então presidente Collor. Em 1992 o Brasil não produziu filme algum. Então a publicidade me pareceu interessante para aprender o ofício e ganhar algum dinheiro. Em 1988, era assistente de montagem do grande Zé Rubens, numa moviola Intercine, e 2 anos depois virei montador. O Zé foi o meu mestre.
O que me levou a ser montador… Sempre amei cinema, esperava as estreias com ansiedade, decorava os nomes dos diretores e atores. Acho que eu era inseguro para admitir que queria ser diretor, e por isso comecei a reparar nas outras funções. Quando assisti ao “After Hours”, que falei acima, percebi que a montagem era uma função autoral.
Devo dizer também que o programa “Armação Ilimitada”, da TV Globo teve importância na minha escolha profissional. Nosso querido João Paulo de Carvalho era o montador e imprimia um ritmo muito legal, moderno pra época. Já falei isso pra ele.
Como foi migrar da publicidade para o cinema, do ponto de vista da montagem?
A migração foi muito difícil. Lembro que fiquei montando meses “A Margem da Imagem” e tive que jogar tudo fora, começar do zero. A montagem já estava com quase 90 minutos. Eu estava seguindo um discurso e só depois entendi que tinha que seguir os personagens. No cinema a gente tem que se identificar, e para isso temos que humanizar os personagens. Eu detesto documentário com montagem “huguinho, zezinho e luizinho”, sabe como é? Um começa a frase, o outro continua e o terceiro finaliza. Era isso que eu estava fazendo.
Por outro lado, depois que “peguei a mão”, pude usar a concisão da publicidade e do videoclipe para tornar aquele tema árduo numa coisa mais estimulante de assistir. Lembro que alguns críticos mais acadêmicos falaram que aquilo era videoclipe..rs. Realmente, fiz um clipe só com ruídos e imagens dos moradores de rua, tentando passar a ideia de roubo da imagem deles.
Mas foi muito sofrido, eu e Evaldo brigamos muito, quase paramos de nos falar. Nós somos amigos de infância e não sei se isso facilitou ou dificultou o processo. Fizemos vários filmes depois desse, e acho que a minha experiência com comerciais, que de alguma forma tem que entreter o espectador, somou muito bem com a cultura e erudição do Evaldo. Por causa disso tudo, tenho um carinho e orgulho enorme por esse filme.
Como você acha que a associação pode contribuir para a nossa categoria? Você já notou alguma mudança? Tem alguma sugestão?
Eu acho a associação sensacional, uma grande conquista, chego a ficar emocionado de estar presente no início dessa história. Quando comecei a trabalhar, ninguém sabia o que era ser montador, chegavam a perguntar se eu montava cavalos…rs. A contribuição é essa que já está dando, que é nos unir, nos ouvir, nos valorizar. Acho que essa primeira diretoria fez um trabalho histórico e que continua agora com a nova chapa.